Muitas vezes, quando recebemos conselhos para melhorar cada uma dessas quatro dimensões, a física, a psicológica, a social e a espiritual, reagimos com indiferença
Acordei com uma luminosidade trêmula. Enquanto me sentava, pensei que eu tinha deixado acesa a minha lanterna. Mas, ouvindo os sons variados de respiração ao meu redor, acabei percebendo que a luz vinha da fogueira que, teimosamente, tinha se recusado a morrer lá fora. Saí da barraca rumo à brisa de uma noite perfeita. As estrelas brilhantes olharam para baixo. Dei uma breve caminhada pela estrada de terra e cascalho. Havia somente o silêncio.
Steve e eu tínhamos levado os nossos quatro filhos mais velhos para uma “aventura selvagem”. Tínhamos subido colinas, rezado antes das refeições e contemplado como eles saltavam felizes pelas rochas. As risadas nunca silenciavam de todo. Mesmo quando surgiam as queixas pelos pés cansados, eles ficavam subitamente extasiados com cavernas escondidas e passagens secretas. Na manhã seguinte, tomamos um rápido banho de chuva e fomos até uma igreja rural ali perto. Meu tio-avô Charles, o último de uma grande linhagem, tinha sido sepultado ali, na terça-feira anterior, no mesmo lugar em que o corpo da minha bisavó também repousava. Eu nunca tinha estado em São Marcos antes. E me perguntei quantos da nossa família estavam ali, orando ao meu lado, enquanto eu contemplava o extraordinário significado que se esconde em cada um dos nossos dias aparentemente comuns.
Deitado na barraca e ouvindo uma coruja que avivava nas proximidades a floresta sonolenta, eu sentia a multiplicidade do meu ser tão próxima de mim quanto o chão debaixo da minha cabeça. Tínhamos vindo em busca de um pouco de aventura para os nossos filhos e para nós mesmos. Ao longo do caminho, eu me descobri imerso nas realidades físicas, sociais, psicológicas e espirituais. As trilhas rochosas se comunicavam com os meus dedos assim como o aroma dos pinheiros falava para a minha alma. Meu bom humor crescia enquanto eu contemplava os horizontes e as colinas ao longe. As conversas pipocavam sobre muitos assuntos, de dias difíceis a caquis espalhados em abundância pelo chão. E a espiritualidade também jorrava, não só das orações formais e das tradições da hora da missa, mas também das camadas e mais camadas de rochas antigas, que evocavam o tempo e a eternidade.
Ao refletir sobre a minha permanente busca do bem-estar e da comunhão com os outros, eu não posso deixar de sentir que só vou encontrá-los na sua forma bruta. Fisicamente, à medida que avançamos para mais longe dos padrões rítmicos do sono, da saciedade e dos desconfortos sazonais e rumamos para uma vida ditada pela busca da conveniência, do conforto e das complexidades frívolas, eu me pergunto como é que os nossos corpos vão saber o que se sente quando se entra em contato com a terra… Psicológica e socialmente, enquanto tentamos nos desligar e nos desconectar durante longos períodos de tempo, eu me pergunto como vamos encontrar a nós mesmos e os outros de forma verdadeira… E, espiritualmente, quando procuramos desculpas mundanas para explicar e racionalizar o que fazemos, deixando de lado as oportunidades de olhar para mais além, eu me pergunto se um sorriso é mesmo só um sorriso e se a morte é mesmo só a morte…
Muitas vezes, quando recebemos conselhos para melhorar cada uma dessas quatro dimensões, a física, a psicológica, a social e a espiritual, reagimos com indiferença. As pessoas nos dizem para comer vegetais crus ou para diminuir a nossa ansiedade, mas achamos que as estratégias para conseguir isso já são trabalhosas demais em si mesmas. Sabemos que deveríamos reservar algum tempo para conversar uns com os outros sobre as questões importantes da vida, mas trocar mensagens de texto nos parece bem menos exigente. E quando contamos com oportunidades para rezar ou para oferecer algum pequeno sacrifício, a abstração e o mistério envolvidos nesses gestos nos levam a preferir algum outro tipo de segurança.
No entanto, todos nós buscamos o bem-estar, a harmonia, o equilíbrio. Todos nós procuramos uma renovação, daquele tipo de renovação que a floresta conhece tão bem. Mas, ao buscá-la, as camadas entre nós e o chão debaixo dos nossos pés se torna cada vez mais espessa, mais imune ao som, mais artificial. É compreensível… Tantas vezes nos sentimos maltratados e desprezados, fisicamente cansados, desanimados, com medo, sem fé, porque sentimos que aquilo que mais desejamos escapa de nós.
E então fugimos da floresta e juramos nunca mais voltar a ela.
Quando isso acontece, parece que nos separamos da nossa humanidade e nos encerramos por trás da fachada de uma existência protegida por muitas paredes, destinadas a nos manter seguros. Mas, de algum lugar, a coruja nos chama no meio da noite, mesmo que não discernamos a origem do seu reverberar. E ela nos diz que, ao corrermos em busca de algum abrigo impenetrável, a nossa humanidade se esvai. De repente, estamos diante daquela pergunta perturbadora: quem somos nós?
A resposta é arrepiante. Somos uma combinação de hidrogênio e oxigênio, de glóbulos vermelhos brilhantes, de fibras vigorosas cuja força é insondável e de neurônios suficientes para varrer o mundo vezes e mais vezes. Somos pensamentos criativos, somos sentimentos e desejos profundos, somos esperanças imensas em busca de propósito e entendimento. Somos rostos e olhares e abraços e lágrimas de muitas gerações, que criaram seus filhos, amaram e guerrearam durante eras e eras. Mas, acima de tudo, como disse certa vez Pierre Teilhard de Chardin, “nós não somos seres humanos que têm uma experiência espiritual; nós somos seres espirituais que têm uma experiência humana”.
Quanto nos afastamos do nosso ser encarnado, é impossível que algum dia venhamos a saber quem realmente somos. A pessoa que viermos a conhecer será apenas uma aproximação do ser que reside em nosso interior. Vamos olhar no espelho e nos perguntar quem é aquela pessoa e quem aquela pessoa deveria se tornar. Vamos nos pegar olhando para um estranho que, lentamente, foi nos roubando de nós mesmos durante a noite.
Mas se quisermos atingir um bem-estar autêntico, qualquer que ele seja, temos que nos decidir a voltar para casa, para o silêncio escuro e proibido de que fugimos tantas e tantas vezes. Temos que saber deixar de lado os nossos telefones, climatizadores, televisores e apólices de seguro e buscar as tempestades e as colinas. Temos que encarar o trabalho duro, não porque precisemos ou devamos, mas porque acreditamos.
É tempo de superarmos o status quo, de não corrermos mais só porque é bom, de não orarmos mais só por superstição. Temos que enfrentar as ansiedades que nos limitam, até que, um dia, elas não evoquem mais o medo, mas a coragem que existe em nós. E temos que abraçar o nosso ser espiritual e religioso de tal modo que, quando a nossa partida estiver a poucos dias de acontecer, o sobrenatural não nos assombre por termos virado as costas ao seu eterno apelo.
É tempo de abraçarmos as quatro dimensões do nosso ser! É hora de dizermos, toda noite, “obrigado, meu Deus”, pela capacidade milagrosa de respirar e de sentir as pessoas respirando perto de mim. É hora voltarmos às origens, às nossas origens, para procurar as respostas das nossas perguntas ridículas e a resolução dos nossos conflitos insolúveis.
Se fizermos isso, no fundo do nosso córtex e no labirinto do nosso coração, vamos encontrar o caminho de volta para uma dimensão que sempre soubemos que tínhamos em nós, onde os medos não terão mais espaço.
Fonte: Aleteia